Capítulo 1


Fechei os olhos. Podia ouvir o barulho do mar quebrando na areia branca cheia de algas cor de lodo e sentir aquele vento batendo delicadamente no rosto a fim de tranquilizá-lo. Queria ir à praia ou ao menos andar perto dela sem ter nada pra fazer, só ficar olhando as ondas quebrarem e observar os gringos tirando fotos. Sabe o que podia acontecer? Um temporal! Isso sim seria perfeito! Quase ninguém iria curtir esse sol maravilhoso e eu não poderia ir à lavanderia buscar a beca e o vestido de bolinhas cintilantes. Ficaria tudo mais fácil, porque jogaria esse papel em branco pela janela e observaria a sua dança até o chão, pegaria o diploma no dia seguinte da colação e evitaria milhões de abraços. Seria maravilhoso! Mesmo sabendo que milhões de abraços é um enorme exagero.

Alana ainda com os olhos fechados coçava a nuca com a mão direita enquanto a esquerda segurava o lápis e o papel ainda em branco. Batia a ponta oposta do lápis próximo à orelha, levantava várias vezes e realizava um movimento circular no pequeno apartamento. Bastava uma palavra para começar, apenas uma. Mas, ela não vinha. O seu pai, Roberto Vasconcelos, um neurocirurgião brilhante, mas extremamente arrogante não se importava com as palavras que dizia e muitas vezes a magoava com verdades desnecessárias. O medo que Roberto causou em Alana persiste até hoje, o medo de decepcionar seja lá quem for, o medo de não ser perfeito mesmo sabendo que não será mesmo, o medo, o medo e o medo.

Por que eu me importo com o que vou falar? Quase ninguém prestará atenção mesmo! Na formatura do ensino médio faltaram dormir na minha frente, acho que se dissesse coisas absurdas iriam aplaudir da mesma forma. E outra, por que não pediram ao Josué que fosse o orador da turma? Ele é um senhor, conhecedor de todas ou quase todas as palavras, 60 anos de experiências, dois cursos concluídos e uma desenvoltura verbal invejável. E eu? Filha de um médico brilhante que a odeia e de uma jornalista hipócrita que vive de aparências. A minha vida, se posso mesmo nomeá-la minha, é uma droga! Nunca soube o que é fugir, namorar escondido, andar de moto ou carro sem carteira, ficar com ressaca num sábado maravilhoso. Não sei. A minha vida foi resumida em química, biologia e física nas férias e nos outros dias também. Meu pai me matriculava nessas escolas que acabam com a única essência de ser criança, não foi difícil me moldar para querer medicina. Hoje fico pensando, será mesmo que era isso o que EU queria?

BOA NOITE. Começou a escrever, mas logo parou. Pensava, pensava, batia o lápis próximo à orelha novamente, o mordia, buscava palavras no dicionário e se arrependia muito de não ter feito o maldito texto algumas semanas antes! Irritava-se com as linhas em branco e o que estava sentindo. Não era nenhum sentimento comum para um dia como aquele, como euforia ou ansiedade, era algo que a corroia por dentro, que a fazia tomar café a cada cinco minutos. Não podia ligar para Duda, sua amiga, porque não sabia o que dizer, talvez Duda a achasse tão boba e isso ela não queria, bastava o que seu pai a achava. Ah! Como ela escondia os seus sentimentos, tentando mentir para si o tempo inteiro, mas naquele momento a tática não funcionara, o sentimento tomara conta dos seus mais profundos pensamentos, ocupava todo o apartamento, quem sabe a quadra inteira! Ao pensar que alguém poderia estar se sentindo assim, pôde se animar um pouco, afinal ser única é insuportável. Seria tristeza? Um sentimento desprezado por muitos e aclamado por suicidas, não que ela se sentia uma suicida, mas pensou rapidamente nesse exemplo.

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